terça-feira, 5 de novembro de 2013
Lebrinha Curiosa
No ano de 1987 a Lebrinha estava de volta ao orfanato do início do ano anterior. Era uma vida totalmente diferente daquela a qual ela fora acostumada desde pequena, mas nem por isso ela detestava. Não. Ela até gostava de algumas coisas. Como a sala de Tv e brinquedos - que ela adorava - e as amigas, claro!
Todos os dias elas iam para a escola, logo cedo, acompanhadas dos meninos que moravam do outro lado da rua, no orfanato destinado a eles. Era um bando muito alegre. Seguiam caminho às gargalhadas. Felizes, apesar de tudo.
No meio do caminho entre o internato e a escola ficava o presídio da cidade. Um prédio bem feio, escuro, assustador. Para os meninos a passagem pelo presídio era uma verdadeira farra. Eles se orgulhavam em contar nos dedos todos os seus parentes que viviam lá e sinalizavam para alguém que, porventura, aparecesse em alguma janela, que mais tarde voltariam trazendo serras e pés de cabra. Um bando de pirralhos de 10/12 anos dando fuga a presidiários. Épico!
Uma tarde a Lebrinha precisou voltar a escola, certamente para alguma pesquisa na biblioteca ou trabalho em grupo. Ela não lembra exatamente. Como sempre fora uma menina muito bem comportada e estudiosa, as tias permitiram que ela fosse sozinha. E lá foi ela. Mas por outro caminho. Ela não queria passar em frente ao prédio assustador. Foi pela rua de trás. Os fundos do presídio.
A parte de trás do presídio era cercada com uma tela grossa, mas por onde era totalmente possível passar algum objeto de tamanho pequeno. Mas isso ela ainda não sabia, pois não era seu costume andar por ali. A rua estava deserta. Era logo após o almoço e o sol era forte. Ela lembra bem.
Quando se aproximou da tal cerca escutou alguém chamando sua atenção. Atônita, olhou para o lado e viu um homem parado, muito sério, em pé junto a cerca, pelo lado de dentro. (Um preso?!). Ele a chamou e ela, já sem medo, se aproximou. O homem então lhe pediu, muito educadamente, porém direto, que entregasse um bilhete em uma casa próxima e passou o papelzinho dobrado através da tela.
Num ato de obediência ela pegou o papel e virou as costas. Não teve coragem de abrir o bilhete. Imagine. Correspondência alheia! Caminhou alguns metros e parou em frente a casa. Bateu palmas e uma moça veio atender. Ela, sem muitas palavras, entregou o bilhete e saiu ligeiro. Agora sim, como o coração aos pulos.
Nunca teve coragem de contar a alguém tal fato, mas anos depois ainda morre de curiosidade de saber o que estava escrito naquele pedacinho de papel. Teria ela ajudado amantes se corresponderem? E se o bilhete fosse uma ameaça a moça e a sua família? De um bandido pode-se esperar tudo, era o que diziam.
Seria a lebrinha cúmplice de algum crime? De uma fuga da prisão, talvez...
Nunca saberemos. Ela se odeia por ser tão curiosa, mas se odeia mais ainda por não ter tido coragem de ler o bilhete.
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